sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Uma Historia

Conheço a história de uma menina (que já é mulher) que me tem vindo á memória estes últimos dias.
Esta menina tinha 7 anos na altura, era um tanto Maria Rapaz e gostava das brincadeiras dos meninos e de andar com eles (a explorar, correr, subir a árvores, etc), na zona onde morava havia um grupo de meninos alguns da idade dela, outros um bocadinho maiores, e ela andava sempre atrás deles.
Um dia os meninos quiseram experimentar aquilo do sexo e como só havia uma menina, experimentaram com ela. Ninguém a obrigou a nada e não foi maltratada. Ela simplesmente não sabia e deixou, porque queria brincar com eles.
Durante muitos anos guardou aquilo em segredo, e durante muito tempo guardou por vergonha, porque na sua cabeça a culpa tinha sido dela, porque ela deixou.
Um dia contou me isto em confidência, e na conversa percebeu que uma criança de 7 anos não consegue perceber ou consentir, e a culpa nunca foi dela. Continuou a guardar o segredo por outros motivos.
Esta história é real, e de alguém que eu conheço pessoalmente.
Não sei se "foi obrigada a dar beijinhos aos avós" ou se lhe faltou alguma coisa durante a infância, só sei que nunca ninguém lhe disse: "o teu corpo é teu e só tu deves tocar nele até teres idade suficiente para perceber o que é o consentimento", "se alguém tentar tocar em ti, diz a alguém com quem sintas confiança".
São duas coisas muito simples de ensinar, mas na cabeça de uma criança não é tão fácil de perceber, especialmente se é obrigada a dar beijinhos a quem não quer, porque uma criança de 7 anos (muito mais uma menor) nem sempre sabe ver a diferença entre um beijinho na bochecha e um beijinho no canto da boca, ou não percebe a diferença entre o beijinho que não quer dar na avó ou o beijinho que não quer dar (ao primo, tio, amigo, conhecido etc) a outra pessoa e vai achar que é sempre obrigação, ou que não precisa de deixar usar o seu corpo para poder brincar com as outras crianças, pois não têm a mesma noção que um adulto tem. Esta obrigação do beijinho é a diferença entre uma criança que sabe que a sua recusa é respeitada e no momento que algo fora do normal acontece, fala logo com alguém e a coisa fica por ali, e a criança que pensa que não pode recusar certas coisas e passa anos a ser abusada porque é obrigada a dar/receber beijinhos a quem não quer.
Honestamente não vejo a dificuldade em entender que a criança deve ter o direito de recusar o contacto físico com qualquer pessoa, assim como tem a obrigação social de cumprimentar educadamente.
Mas só para que fique claro, dar beijinhos, abraços e afecto a quem gostamos é maravilhoso e aqui ninguém disse que devemos proibir os beijinhos aos avós, quando são por gosto devemos incentivar, e fazer saber tanto verbalmente como por gestos a quem amamos, que os amamos.

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